Acredito que o tempo sempre foi umas das coisas que mais impressionou e impressiona a humanidade, seus mistérios, naturalmente, nos cativa, somos umas das únicas espécies com a capacidade de perceber o decorrer do tempo, de ter noção entre o passado, o presente e o futuro, tal entendimento nos possibilita, de uma maneira ou de outra, entender muitos conceitos da vida, um deles, talvez o mais impactante, é a morte, a “impotência” e a certeza, abstrata, que, em algum momento, tudo vai acabar, essa evidência abre portas para a melancolia e a mais pura superstição do ser.
Para Santo Agostinho, um dos maiores influenciadores religiosos da história, o tempo era algo abstrato, era um fardo carregado pela humanidade, um castigo de Deus pela blasfêmia original de nossos antepassados, Adão e Eva, logo podemos compreender que, para o filho de Santa Monica, o fim do tempo seria a perfeição, algo eterno e próximo do criador, esse livre do tempo. Tal doutrina se mantém muito presente, implicitamente, nos pensamentos religiosos modernos, podemos analisar tal busca pelo o paraíso perdido em diversas religiões,um lugar sem a tristeza do passado perdido e sem as preocupações do hoje ou do amanhã, logo um “céu’ sem a morte, perfeito, imortal, entendendo tal cenário religioso-cultural, podemos entender muitas das relações humanas com o tempo.
O DSM(manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais), é uma ferramenta muito utilizada na psicanálise, pois, de certa maneira, nele contém um mapeamento da maioria dos transtornos mentais já diagnosticados, foi criado nos Estados Unidos em 1952, contendo, aproximadamente, 130 páginas, o mesmo é, continuamente, atualizado, o chamado DSM-5, foi publicado em 2013, contendo 950 páginas, a pergunta que não cala, o que levou o aumento e o maior índice de casos de transtornos mentais em um período de 61 anos? É claro que o modo que enxergamos e nos relacionamos com o mundo e com o tempo se alterou, como citamos no parágrafo anterior o tempo sempre foi um “demônio” na cultura ocidental, ou seja, o tempo saiu de um monstro de sete cabeças para um de 21, principalmente por influência das tecnologias e das diversas pressões perfeccionistas vendidas por ela, então, chegamos na seguinte questão, há tempo para perfeição ?
A palavra “perfeição” vem do latim e significa “por completo”, a partir de tal definição etimológica, podemos tentar entender o que significa, nos dias de hoje, ser completo. Bem, podemos relacionar essa questão com os fenômenos das redes sociais e como o mercado está se organizando para atender a demanda do mito da perfeição, pois é um fato que o culto a uma vida, entre muitas aspas, “inteira”, é lucrativo. Ser uma pessoa completa nos dias de hoje, é ter uma carreira de sucesso, um corpo padronizado, uma família feliz e bonita, dentre outros temas subjetivos,mas na realidade, esse culto à perfeição está diretamente ligado com a ideia do eterno, da ideia egocêntrica de ser um Deus na Terra, paramos de cultuar divindades e começamos a adorar a ideia da perfeição, de estar livres do tempo, pois somente livres do tempo podemos atender essas infinitas demandas para sermos preenchidos, consequentemente os números de transtornos mentais aumenta, pois, todos sabemos, que é impossível atendermos todos esses padrões, assim, ficamos transtornados, o sentido da vida se tornou, infelizmente, um sentido de comercializado e programado para falhar.
Uma das frases mais impactantes por mim já escutada é uma frase de Victor Hugo, um dos maiores poetas franceses, “Morrer não é nada, horrível é não viver”, tal citação se reflete explicitamente, mais fortemente nos dias de hoje, como citamos no parágrafo anterior, o sentido individual da vida foi perdido, não vivemos mais, apenas sobrevivemos, sobreviver é existir sem sentido e,muito menos propósito, já viver é o contrário. A psiquiatra e escritora brasileira Ana Beatriz Barbosa tenta nos explicar, a partir de suas observações, o que é o sentido e o propósito da vida, de acordo com ela, o sentido da vida não pode ser compreendido logicamente, pois não iríamos conseguir encontrá-lo por meio da racionalidade, o sentido da vida é o sentido que damos a ela, é a nossa evolução como seres humanos, é os nossos dons que, de acordo com a escritora, já nascemos com eles e eles são uma oportunidade de deixarmos um legado e evoluirmos como pessoas imperfeitas, mortais e temporárias, o que fazemos com o sentido de nossa vida a doutora denomina como propósito, existir com sentido e propósito é viver e não somente sobrevier. Logo podemos chegar a conclusão que existimos em uma das épocas mais terríveis da história, pois o tempo da empatia e de toda a beleza mortal e temporária , se extingue na tela de uma máquina.
É notável que é necessária uma revolução na maneira de como enxergamos o tempo, tememos o fim, temos medo da nossa humanidade, mas uma coisa é certa, é preciso que tudo acabe, uma hora ou outra, pois somente a certeza do fim nos faz dar valor a existência. Na música “Oração Ao Tempo” de Maria Bethânia e Caetano Veloso, podemos ver que eles realizam uma adoração ao tempo, indo na direção contrária do pensamento da maioria da população mundial, “Tempo, entro em um acordo contigo(...) Peço-te o prazer legítimo(...) De modo que meu espírito, ganhe um brilho definido e eu espalhe benefícios(...) Ainda sim acredito, ser possível reunirmo-nos”, esse são alguns dos trechos da canção, neles podemos entender que os cantores fazem as pazes com o tempo e começam a realizar seus verdadeiros propósitos, alcançando a verdadeira perfeição na imperfeição e iluminando as pessoas ao seu redor, alcançando, assim, a paz de espírito.
Perguntar “Que horas são ?” deveria ser uma pergunta que vai muito além da pressa para o horário de uma reunião, que vai muito além da ansiedade para o fim do expediente ou para o fim de semana, perguntar “Que horas são ?” deveria ser uma pergunta carregada de ressignificação e empatia, principalmente neste período de amores líquidos, tal indagação nos ajuda a refletir sobre o que fizemos com o tempo que vivemos e sobre o que vamos fazer com o tempo que nos resta ou que achamos que restara, entender essa pergunta vai muito além do raciocínio, é necessário senti-la para compreendê-la, então, caro leitor, pergunto a você “Que horas são ?”.
-Escrito por Fernando Trevisolli de Britto
Orgulhosa de você nosso futuro jornalista!